20 de abr. de 2009

A procura da bala perdida

ATO I - Identidade na página de jornal


(Sala. À luz ilumina um jornal aberto. Atrás dele o autor compenetrado, sentado num banquinho, começa o monólogo)

Foi pra mim. A estratégia é simples, falam de uns detalhes aqui e ali. Adjetivos universais... Pensam que me enganam. Olha aqui no jornal, sou eu. É de mim que falam.

O álibi é a historia da carapuça que serviu. Mas eles já fazem a carapuça sob medida.

Isso não vai ficar assim, a não vai.

Vo escrever também. Eles não esperam o que vou escrever. Vai ser a mais bela crítica.

Veja sou eu (o jornal tem um espelho (papel prateado) que mostra uma imagem opaca do leitor).

Quem sou?

Vocês são bestas? Eu sou eu.

Sou esse jornal, sou esse banquinho, sou a música de barzinho, sou essa roupa. Esse ai sou eu.

Eu sou ELE (apontando pra cima – de costas pro público)



Me dá nojo ser igual a tudo isso (virado pro público)

(pega o jornal com o espelho e corta o espelho do jornal)

Aqui está! Esta é minha tragédia. Ser aquilo que nem sei quem sou. Sou isto? (ergue o papel cortado) Sou aquilo? (aponta pra imagem com um longo sentimento de raiva).

(de costas pro público – pega o quadro)

Sou sua imagem e semelhança!
A desgraça de ter alguém pra lembrar de mim nesse jornal e me ressuscitar!

Sou Deus!

(cola o espelho do jornal no rosto de cristo, vira para a platéia)

Foi fácil ressuscitar.
O difícil mesmo é morrer.

Ou você acha que esse cara aqui existe porque está vivo?

A morte está em todos os cantos...
E com ela, nossa herança.

Herança?

(risos)

Meu pai, seu pai, qualquer pai
Naquele sexo descontrolado eu nasci

Quem me dera ter sido abortado

(silêncio – olhando para o público)

E quem daqui está vivo?

Todos abortados! Todos abortados!

(silêncio)


(virado pro quadro)

Ei Jesus, você me perdoa?

Se sim, não precisa nem falar... só mexe sua cabeça.

(o espelho no rosto de cristo – vendo seu rosto nele – balança a cabeça positivamente)

(olhando para o público)

Qual sua imagem e semelhança?

Se deus é fruto de um imenso boato...Também sou.

Alguém aqui acredita em mim?

Acreditam em Nietzche de fato, “Deus está morto”, ele escreveu.

Esses filósofos. Ele sempre ressuscita. Melhor conselho seria não contar com ele.

Nem com ninguém.

(de joelhos)

Cadê o meu chão?

Cadê minha certeza? Olha para os lados como se procurasse.

Não, não há nada por aqui.

O homem está morto!

Suicídio.

De pé.

Todos os dias. 18 horas.

Arroz, feijão, purê de batata. Durmo. Suicídio.

Quando acordo, morro de medo. Ta um desconhecido.

Já sei, uma tatuagem, pode dizer bem de mim.

Não, não, será que vou desenhar aquele parasita em mim.

A tatuagem um carrapato, que suga individualidade, me dando de alimento pros outros.

E os outros me julgam pela sua experiência.

Acredita, que fui falar de tatuagem para uns aí. Ergueram o nariz, um nojo.

Parasita. Meus amigos. Interesse?


Como construir um amigo imaginário

(com a mão no rosto, os olhos abertos entre os dedos)

A porta sempre esteve aberta para qualquer pessoa, menos pra mim
Eu nunca entrei aqui!,

Sabe, é complicado. Teve dias em que o prato do dia era o vômito do outro. Tinha que trabalhar. Tinha? (risos)

Acordar como quem tem desespero, tédio, ansiedade, raiva...e ir trabalhar para comer e tomar cerveja. Drogas? Nem morto?

Mais já estou.

Diziam que eu era individualista, sem pudor. Da tatuagem pro sexo grupal foi um passo.

O duro que nem aí eu me encontrei. Entre idas e vindas, era nesta porta que deixava minha esperança. Família, emprego, futuro...futuroo...futuro...

Meu melhor amigo era um bêbado de rua, seu nome? Nem sei. Pra que saber? Se ele vai esquecer o meu logo-logo.

Disse uma vez que a felicidade estava na roda de amigos. Mais que maldito. Felicidade existe então?

Era mais um carente, procurando no álcool seu amigo e inimigo imaginário.
Ahhh...quer saber, deveria ser mais fundo que isso. Mais o que me importa?

Meu melhor amigo era esse jornal! Sempre disse coisas belas de mim. Mais agora fica me copiando....me imitando...me fudendo.

( olha pro jornal furado e para quadro de cristo)

Porque tenho que ser o que você diz se tenho livre-arbítrio.

Livre arbítrio?

alemaun/igaun

Um comentário:

Anônimo disse...

pensa com amigos em pé